TRABALHO E GÊNERO NO BRASIL NOS ÚLTIMOS DEZ ANOS
Resumo por: Alessandra Vieira Cunha
Panorama da situação feminina no mercado de trabalho brasileiro, marcado por atrasos e avanços.
Aborda tanto o aumento do ingresso das mulheres escolarizadas no mercado de trabalho, ocupando cada vez mais posições de prestígio e poder em grandes empresas desde a metade dos anos 70, quanto o desemprego de milhares delas, além da péssima qualidade dos empregos femininos, sem falar naquelas que trabalham em atividades precárias. Também cita a rotina das mães trabalhadoras, que tem o grande desafio de manterem sua vida profissional e ao mesmo tempo de serem mães (às vezes de crianças pequenas, o que dificulta mais ainda, em virtude dos grandes cuidados e tempo requeridos) e esposas, revelando uma nova identidade feminina e comprovando a versatilidade das mulheres.
O crescimento da força de trabalho feminina é intensa e constante, sendo que estatisticamente falando, em 2005, no Brasil, mais da metade da população feminina em idade ativa trabalhou ou procurou emprego, e dentre 100 trabalhadores, mais de 40 eram mulheres, contribuindo para que a população economicamente ativa (PEA²) feminina passasse de 28 para 41,7 milhões, a taxa de atividade aumentou de 47% para 53% e a porcentagem de mulheres no conjunto de trabalhadores foi de 39,6% para 43,5%. Mas vale lembrar, que apesar de consideráveis avanços, as mulheres estão longe de alcançar as taxas de atividade masculina, que são superiores a 70%.
No final do século XX o País passou por algumas mudanças demográficas, culturais e sociais que explicam não somente o crescimento da atividade feminina, mas a força de trabalho das mulheres, como por exemplo: cai a taxa de fecundidade principalmente nas regiões mais desenvolvidas do Brasil, chegando a atingir em 2005, 2,1 filho por mulher, a redução do tamanho das famílias, que no mesmo ano cai de 3,7 pessoas (1992) para 3,2 pessoas, envelhecimento da população com maior expectativa de vida para as mulheres (75,5 anos) e desde 1980 o crescimento acentuado de arranjos familiares chefiados por mulheres, constituindo em 2005 30,6%. A expansão da escolaridade e o ingresso nas universidades permitiram o acesso delas a novas oportunidades de trabalho.
As trabalhadoras passaram de jovens, solteiras e sem filhos (até o final dos anos 70), para trabalhadoras mais velhas, casadas e com filhos. Em 2005, a mais alta taxa de atividade feminina foi de 74%, e eram mulheres de 30 a 39 anos, 69% de 40 a 49 anos e 54%, ainda ativas, de 50 a 59 anos.
As cônjuges foram as mulheres cujas taxas de atividade mais cresceram, sendo que em 2005, 58% delas eram ativas.
Mesmo assim, com tantas mudanças e conquistas das mulheres, elas ainda se mantêm responsáveis pelo lar e cuidados familiares, o que representa uma sobrecarga aquelas trabalhadoras que além de terem as atividades domésticas também têm as atividades econômicas.
A primeira geração de estudos sobre trabalho feminino só focou na ótica da produção, se esquecendo da dimensão familiar, sendo este o maior desafio de algumas mulheres, conciliarem essas duas esferas, o trabalho (produção) e a família, ou espaço reprodutivo.
Ao longo dos anos 70 e 80 foram feitas sérias críticas em relação às estatísticas oficiais (por exemplo, IBGE), por não estarem mostrando a real contribuição das mulheres à sociedade. O trabalho doméstico realizado pelas donas de casa não eram sequer contabilizados como atividade econômica, era considerado como economicamente inativos juntamente com os estudantes, aposentados, doentes e inválidos. Obviamente, as informações sobre essa categoria não eram sequer divulgadas e o conhecimento sobre ela ficava restrito aos responsáveis por essas pesquisas oficiais, ou na dependência de tabelas especiais ou pesquisas pontuais. Mas um trabalho como o dessas mulheres que consome tanto tempo e energia, deveria ao menos ser considerado não remunerado, e de forma alguma estar na esfera da inatividade.
A PNAD define quais são os tipos de afazeres domésticos, desde preparar alimentos até cuidar dos filhos, definições estas que até então não se enquadravam no conceito de trabalho.
Há pesquisas que comprovam que os homens se envolvem no cumprimento dos afazeres domésticos de maneira bem seletiva, mas mesmo assim, a participação masculina não pode ser desprezada. Os companheiros compartilham com as esposas nos encargos domésticos apenas em atividades específicas, como as de manutenção ou concerto a título de ajuda ou cooperação, levar o filho ao médico, ajudar os filhos com as tarefas escolares, culinárias sofisticadas... Enfim, a cooperação masculina se mostra bastante rasa em comparação a feminina, ou seja, em total oposição as atividades manuais e rotineiras (lavar roupa, limpar a casa...).
As cônjuges são as mulheres que trabalham o número mais elevado de horas nos afazeres domésticos seguidas das chefes de família.
A presença de filhos pequenos é a situação que mais dificulta a atividade produtiva feminina, por requerer grande porção de tempo para com cuidados e atenção no âmbito familiar. Porém, todas as mães, mesmo as de filhos muito pequenos, ampliaram sua presença no mercado de trabalho, ou seja, apesar do tempo consumido nos cuidados com os filhos pequenos na esfera doméstica, as mães de filhos pequenos estão adentrando consistentemente no mercado de trabalho, ao longo dos anos examinados. Entretanto, em 2005, a mais alta taxa de atividade, 73%, é a das mães de filhos com mais de sete anos, idade em que, supostamente, elas estariam sendo ajudadas pela escola no cuidado com os filhos.
A educação, a escolaridade são pontos muito fortes para o ingresso das mulheres no mercado de trabalho, visto que a escolaridade das trabalhadoras é muito superior à dos trabalhadores, diferencial de gênero que se verifica também na população em geral. Em 2005, entre os trabalhadores, 32% das mulheres tinham mais de 11 anos de estudo, contra apenas 25% dos homens. Além disso, os fatos acima contribuem para que as taxas de atividade das mais instruídas sejam muito mais elevadas que as taxas gerais de atividade.
A escolaridade mais elevada das trabalhadoras corresponde à da população em geral. Nesta, pode-se constatar que o predomínio feminino ocorre a partir do ensino médio, ou seja, de 9 a 11 anos de estudo. Em 2005, 26% das mulheres, ante 24% dos homens estão nessa faixa.
No ensino superior, elas ampliaram significativamente sua presença, superando os homens, a ponto de, no ano de 2005, a parcela feminina entre os formados ter atingido 62%, como revelam dados do Censo do Ensino Superior, realizado pelo Ministério da Educação. Contudo, as escolhas das mulheres continuam a recair preferencialmente sobre áreas do conhecimento tradicionalmente "femininas", como educação (81% de mulheres), saúde e bem estar social (74%), humanidades e artes (65%), que preparam as mulheres para os chamados "guetos" ocupacionais femininos. Mas também é verdade que a parcela feminina nas universidades vem ampliando sua presença em outras áreas ou redutos masculinos, como a área de engenharia, produção e construção, na qual aumentou de 26% para 30% a presença das estudantes na década considerada.
Muitas são as mulheres que possuem ocupações de trabalho precárias, mas em contraponto, as mulheres instruídas, estão quem sabe conquistando seu maior avanço na história, o de adentrar profissionalmente em campo masculino, ou seja, apesar de muitas ainda participarem dos “guetos femininos”, uma grande parcela feminina está trabalhando e aumentando sua participação em áreas como a medicina, advocacia, engenharia, que até então faziam parte do currículo masculino, dessa forma, quebrando cada vez mais com o preconceito social que impera sobre a imagem de nós mulheres.
O ingresso das mulheres nessas boas ocupações teria sido resultado da convergência de vários fatores. De um lado, uma intensa transformação cultural, a partir do final dos anos 60 e, sobretudo, nos 70, na esteira dos movimentos sociais e políticos dessa década, impulsionou as mulheres para as universidades, em busca de um projeto de vida profissional e não apenas doméstico. A expansão das universidades públicas e, principalmente, privadas, na mesma época, foi ao encontro desse anseio feminino. De outro lado, a racionalização e as transformações pelas quais passaram essas profissões abriram novas possibilidades para as mulheres que se formaram nessas carreiras, ampliando o leque profissional feminino para além dos "guetos" tradicionais.
A análise de algumas características do perfil desses profissionais segundo o sexo para o ano de 2004 demonstra, inicialmente, que elas são mais jovens do que os homens em todas as profissões consideradas - 63% das engenheiras, 47% das arquitetas, 44% das médicas, 68% das advogadas e mais da metade das procuradoras e das juízas tem menos de 39 anos. Outra diferença em relação ao padrão masculino, que ocorre apenas entre os engenheiros, é a maior importância do emprego no setor público para as engenheiras (17,4% delas e apenas 10,5% deles); nas demais profissões em análise, o serviço público mostra-se igualmente importante na colocação de homens e mulheres. Em relação à jornada de trabalho, as e os profissionais em análise trabalham aproximadamente o mesmo número de horas, exceto no caso dos engenheiros: nesse caso, eles têm jornada de trabalho mais longa do que elas, mas nos demais são elas que os superam em termos de carga horária. Finalmente, em todas as carreiras, persiste o diferencial de rendimentos entre um e outro sexo, exceção feita aos juízes e procuradores, que apresentam rendimentos bastante semelhantes para ambos os sexos.
Ao considerar os cargos de diretoria em sua especificidade, foi possível constatar que a grande maioria deles, nas empresas de serviços de saúde, educação e cultura, eram ocupados por mulheres (75%), enquanto entre os diretores de produção e operações, ou mesmo nas áreas de apoio, o percentual de empregos ocupados por mulheres é significativamente mais baixo: 21% no primeiro caso e 30% no segundo. As diretoras são mais jovens e estão no emprego a menos tempo que os colegas homens conforme visto na pesquisa, porém as diretoras de empresas do setor formal obtêm rendimentos inferiores aos dos seus colegas de mesmo nível. Apesar dos salários serem mais elevados para ocupações mais elevadas, como o cargo de diretoria, de acordo com a pesquisa feita, 41% dos diretores ganhavam mais de 15 salários mínimos, e apenas 16% das diretoras. Sendo assim, percebe-se que apesar dos muitos avanços das mulheres em relação aos homens, quando se trata de altos cargos executivos e igualdade de salários, as mulheres ainda ficam um pouquinho para trás.
No que diz respeito à posição na ocupação - denominação atribuída pelo IBGE aos variados tipos de vínculos de trabalho que se estabelecem no mercado -, nota-se que, tanto em 1993 como em 2005, prevalecem para ambos os sexos os "empregados", categoria na qual se inclui tanto uma parcela formalizada, - os com carteira de trabalho assinada pelo empregador, os estatutários e aqueles/as com outros tipos de contrato -, quanto uma parcela informal, empregada sem nenhuma forma de proteção contratual. No período analisado, houve aumento do contingente de empregadas, mais do que de empregados.
Outras formas de ocupação mais precárias, quais sejam, o trabalho não remunerado e aquele executado na produção para o consumo próprio ou da unidade familiar são predominantemente desenvolvidas no setor agrícola, em sítios, fazendas e chácaras.
A parcela formal da ocupação, isto é, os empregos nos quais existe algum tipo de contrato entre as partes, é tradicionalmente reduzida no país e menor entre as mulheres. Em 2005 a ocupação formalizada - considerados os empregados com carteira assinada, os militares e estatutários - representava 37% da ocupação total no país, sendo 39% da ocupação masculina e 35% da feminina. Contudo, ao adicionar àquele contingente de trabalhadores as empregadas domésticas que possuem registro em carteira de trabalho, a ocupação formal masculina e feminina passa a se equiparar, cerca de 39%.
É importante realçar que o processo de enxugamento de postos de trabalho formalizados, que se verificou com especial intensidade nos anos 90, parece ter afetado em maior medida os homens do que as mulheres: no período 1985/2004, a parcela feminina no mercado formal aumentou de 32,4% para 40%, enquanto a parcela masculina, no mesmo período, declinou.
O percentual de empregos femininos no serviço público, por sua vez no chamado regime estatutário, permaneceu praticamente igual no mesmo período (1995-2004), evidenciando a persistência da importância desse setor na absorção da força de trabalho feminina, muito provavelmente nas áreas da educação e da saúde: se em 1995 eram contratados sob esse regime, 31% dos empregos femininos, em 2004 esse percentual praticamente não sofreu alteração. Enfim, a estrutura ocupacional do mercado de trabalho brasileiro apresenta tendências recorrentes que pouco têm-se alterado nos últimos 30 anos.
As mulheres têm sido especialmente atingidas pelo desemprego. Desde meados dos anos 90, têm-se verificado maiores taxas de desemprego entre elas do que entre os homens. Segundo os estudiosos, um dos fatores que contribui para esse resultado é o contínuo aumento da população economicamente ativa feminina, ou seja, de mulheres que ingressam no mercado de trabalho à procura de emprego.
O nível de ganhos dos brasileiros é reconhecidamente baixo e as mulheres brasileiras - como as mulheres de todo o mundo - ganham ainda menos do que os homens.
RESUMINDO
Como este texto procurou demonstrar, nos últimos dez a 15 anos (1992-2005) as trabalhadoras brasileiras obtiveram algum progresso no mercado de trabalho, embora tenham persistido, ao mesmo tempo, inúmeras condições desfavoráveis. No primeiro caso, movidas pela escolaridade - seja a de nível médio, no qual as jovens superam os jovens, seja a de nível superior, no qual as mulheres consolidaram presença bem mais elevada do que a dos homens -, as trabalhadoras mais instruídas passaram a ocupar postos em profissões de prestígio - medicina, direito, magistratura, arquitetura e mesmo na engenharia, tradicional reduto masculino - assim como cargos executivos em empresas do setor formal. No segundo caso, entretanto, o maior contingente de trabalhadoras, mais de 30% da força de trabalho feminina, continua sendo composto por um grupo de ocupações precárias: empregadas domésticas - 75% das quais sem registro em carteira - trabalhadoras não remuneradas e aquelas que trabalham para o próprio consumo e o consumo familiar, principalmente no setor agrícola. A persistência de traços de segregação se revela também em outras dimensões: na esfera ocupacional, em que as trabalhadoras permanecem, em maior número, em setores, ocupações e áreas de trabalho tradicionalmente femininas, como o setor de serviços, o social, a administração pública; em cursos, profissões e empresas em segmentos culturais, sociais e de humanidades; no desemprego mais elevado e nas desigualdades salariais em relação aos colegas do sexo oposto, em todas as situações examinadas, mesmo quando as condições são semelhantes entre os sexos, como na jornada de trabalho, no nível de escolaridade e outras. Mas as condições de desigualdade perante os homens se revelam também na persistência da responsabilidade das mulheres e das mães pelos afazeres domésticos e pelos cuidados com as crianças e demais familiares, como se constatou através do elevado número semanal de horas de trabalho que elas dedicam a essas atividades. O texto mostrou a manutenção de um perfil de força de trabalho feminina que vinha sendo forjado desde os anos 80 do século XX: mulheres mais velhas, casadas e mães trabalham, mesmo quando os filhos são pequenos, apesar das dificuldades para conciliar responsabilidades domésticas, familiares e profissionais. As taxas de atividade das mães aumentaram na década analisada, mesmo quando os filhos são muito pequenos, mas são mais elevadas quando eles chegam aos sete anos e elas passam a ser ajudadas pela escola.